Manoela odiava o carnaval. Ela não era ruim da cabeça nem doente do pé, mas se irritava toda vez que ligava a tv e o assunto era esse, odiava ligar o rádio e ouvir marchinhas e sambas de enredo, entrar numa rede social e ver todas as fotos e comentários sobre a "maldita festa da carne". O que falar então dos blocos de rua? Absurdo! Ruas fechadas, foliões barulhentos, sujeira, trio elétrico, bandas, confete, serpentina... Uma baderna total, barulho, tumulto e mais tumulto! Como a prefeitura poderia permitir uma coisa daquelas? Pra onde foi o direito de ir e vir do cidadão?
Eram "só" quatro dias. Os quatro piores dias do ano. Mal começava um novo ano e Manoela já entrava em desespero, logo chegaria fevereiro e não se falaria mais em outra coisa. Nos últimos anos ela preferia tirar férias nesse mês. Enquanto os turistas chegavam à Cidade Maravilhosa para curtir a folia, Manoela ia no sentido oposto fugindo de toda aquela confusão.
Mas nem sempre foi assim, quando era pequena chegava até a gostar do carnaval. Vestir uma fantasia e ser quem quisesse ser era um sonho para qualquer criança. Mas um coração partido aos 15 anos fez com que a alegria dessa festa se transformasse em dor. O primeiro amor de Manoela tinha chegado ao fim e, assim, teve início o ódio pelo grande culpado de uma primeira desilusão, o Carnaval.
Pelo rapaz ela já não lamentava, outros romances surgiram e se foram como um carro alegórico que invade a avenida. Mas o carnaval, esse sim, era o terrível vilão de toda história. Se ele simplesmente não existisse, as pessoas não teriam um pretexto para fazer coisas que não fariam em condições normais, partir um coração era só uma das coisas que se permitiam nesse efêmero período de suspensão das leis morais.
E lá estava Manoela em seu vigésimo quinto sábado de carnaval, debruçada no parapeito da varanda do seu apartamento, observando à distância a concentração do primeiro bloco da rua. Naquele ano muitos funcionários da empresa pediram férias em fevereiro e Manoela não havia viajado, teria que se contentar em passar o carnaval assistindo alguns DVDs em casa mesmo. Ela não pretendia sair e se quisesse fazê-lo de carro, dificilmente conseguiria. Mas precisava ir ao mercado comprar algumas besteiras para beliscar nesses quatro dias e teve que ir a pé. Ainda contrariada de ter que passar no meio daquela pequena multidão, entrou no elevador desejando que o tempo fechasse nos próximos dias. Os termômetros do Rio marcavam 40 graus e não havia nenhum sinal de nuvem céu. Ótimo, que cenário clichê!
Distraída com os seus lamentos ela nem percebeu quando esbarrou num folião fantasiado de marinheiro que vinha no sentido oposto. Ambos foram parar no chão e Manoela vermelha estava prestes a explodir. "Não olha por onde anda?!?!"
O rapaz, sem graça, não cansava de se desculpar, levantou-se e ajudou-a a se levantar também. Perguntou se ela estava bem e se desculpou mais uma vez. Aí veio a troca de olhares, por alguns segundos não havia mais ninguém naquela rua, Manoela tinha até esquecido que era carnaval. O Marinheiro sorriu. Era o sorriso mais bonito que ela já tinha visto. Só voltou à realidade quando ele perguntou:
- Onde está a sua fantasia? - Fantasia? Ah claro, o bloco. Mas ela não tinha fantasia, não estava no bloco. Deu um sorriso amarelo e ficou parada enquanto uma multidão ocupava o espaço entre eles levando o Marinheiro-folião. Ele ainda olhou para trás umas duas vezes até sumir de vista no meio de toda aquela gente.
Manoela estava prestes a seguir o seu caminho quando uma senhorinha que assistiu a tudo de longe se aproximou dela com os olhos cheios de lágrimas. "Amos esses encontros inusitados que só acontecem nessa época! Eu e Joaquim nos conhecemos no carnaval. Já fazem 54 anos mas eu ainda me lembro com clareza daquele dia, eu estava vestida de colombina e ele era o pierrô mais lindo que eu já vi. Já fazem dois anos que ele foi participar do baile celestial, mas no carnaval eu sinto como se ele ainda estivesse aqui. Mas você não pode perder tempo com a história de uma viúva. Anda toma o meu cocá, uma moça bonita não pode ficar sem fantasia." Colocou nela o adereço, deu-lhe um abraço e praticamente empurrou a jovem para o meio da multidão.
Se Manoela encontrou o "seu" Marinheiro e viveram felizes para sempre, não importa muito. Essa história é sobre uma garota com uma fantasia emprestada, num sábado de carnaval se entregando à alegria, ao brilho e à cor. Naquele momento ela estava feliz e não odiava mais o carnaval. Manoela não pensava mais no que havia acontecido há 10 anos, tudo o que ela queria era aproveitar aqueles dias de folia desejando que nunca chegasse a quarta-feira para que tudo virasse cinzas outra vez.